Introdução
As estratégias de diagnóstico na Periodontia são obtidas tradicionalmente após análise das informações coletadas em um exame clínico associado a exames radiográficos1. O diagnóstico adequado das doenças periodontais norteará o plano de tratamento e o prognóstico, aumentando assim a probabilidade de obter sucesso terapêutico2. A sondagem periodontal representa o principal e mais simples método empregado para diagnóstico da doença periodontal, sendo utilizada para estabelecer a presença e a severidade da doença, bem como o efeito do tratamento periodontal3. Em contrapartida, esta ferramenta pode provocar dor durante o exame e levar a variações nos resultados e/ou erros de diagnóstico4.
O diagnóstico por imagem apresenta-se como uma ferramenta complementar às mensurações clínicas. Entretanto, em virtude das limitações inerentes do exame radiográfico convencional5, novas técnicas de diagnóstico têm sido propostas com o intuito de proporcionar a detecção da doença precocemente e de maneira não invasiva. Como exemplos de dispositivos alternativos recentemente utilizados em pesquisas e de interesse clínico, podemos citar a espectroscopia de infravermelho, o ultrassom, a sonda ótica baseada em LED, o laser de fluorescência e a tomografia por coerência ótica6-7.
A tomografia por coerência ótica (OCT) tem destaque por proporcionar a formação de imagens dos tecidos orais em alta resolução, podendo favorecer a detecção precisa de detalhes anatômicos e doenças precocemente, de maneira não invasiva8-11. Além disso, é considerado um método reprodutível e viável clinicamente para exame e quantificação dos tecidos periodontais, uma vez que promove imagens diretas de estruturas da anatomia periodontal medidas do sulco gengival e tecidos marginais de forma não invasiva, proporcionando o monitoramento das doenças periodontais com maior precisão e sensibilidade9-10,12-13.
Desta maneira, o presente estudo teve como objetivo aprofundar conhecimentos acerca da tomografia por coerência ótica, de forma a abrir um questionamento sobre seu potencial de representar um papel relevante na análise dos parâmetros clínicos em Periodontia.
Material e Métodos
A estratégia de busca foi realizada nas bases de dados PubMed e Lilacs. Primeiramente, foi realizada uma busca com os seguintes descritores: optical tomography coherence; periodontics; e diagnosis. Adicionalmente, considerou-se como critérios de inclusão: artigos publicados de 1961 a 2017, artigos escritos em inglês ou português, abrangendo estudos experimentais e observacionais que abordassem os principais aspectos do diagnóstico periodontal aliado às características da tomografia por coerência ótica.
Resultados
Foram analisados 30 artigos sobre métodos de diagnóstico em Periodontia. Os estudos in vitro foram os mais prevalentes (22 estudos). Estudos experimentais em animais e em humanos também foram considerados. As revistas Applied Optics, Journal of Periodontal e Implant Science, e Journal of Periodontology abrigaram o maior número de artigos sobre o tema proposto.
Discussão
O objetivo dos procedimentos para diagnóstico periodontal é a obtenção de informações relacionadas à avaliação clínica periodontal, como registro da profundidade de sondagem e nível de inserção clínica, sangramento a sondagem, presença de placa, bem como avaliação radiográfica do osso de suporte. Estes achados servem como base para o planejamento do tratamento multidisciplinar e para monitoramento do paciente durante as terapias ativa e de manutenção14.
Desvantagens inerentes são conhecidas em relação aos procedimentos clínicos tradicionais. A sondagem pode não apenas ser dolorosa para o paciente, mas também levar o clínico à imprecisão de diagnóstico e, consequentemente, à escolha de um plano de tratamento não adequado, tendo em vista que este método algumas vezes é realizado sem orientação visual9-10,15.
As imagens de OCT dentais in vivo representam estruturas anatômicas que são importantes na avaliação diagnóstica de tecidos orais duros e moles. Este método não invasivo pode potencialmente avaliar a saúde do tecido periodontal9-10,16-19. Além disso, o contorno do tecido periodontal, a profundidade sulcular e a inserção conjuntiva são visualizados em alta resolução usando esta tecnologia16. Partindo dessa premissa, uma sonda sem contato não comprimiria o tecido mole e permitiria a mensuração geométrica direta das dimensões do tecido no seu estado natural. Sendo assim, a OCT revela detalhes microestruturais dos tecidos moles periodontais, os quais podem potencialmente identificar a doença periodontal ativa antes que ocorra perda óssea alveolar significativa (Figura 1).
Autores discutiram a exploração de novas ferramentas complementares no diagnóstico periodontal, como as inovações no domínio dos biossensores, nanotecnologia, sonda ultrassonográfica, análise dos proteomas dos fluidos orais e os sistemas de imagem ótica (OCT), e afirmaram que esta análise tem se mostrado eficaz como um método complementar de diagnóstico, sugerindo sua reprodutibilidade na rotina clínica8.
A tomografia por coerência ótica (OCT, sigla em inglês para optical coherence tomography) é uma técnica de aquisição de imagens de alta resolução baseada na interferência de um campo ótico de baixa coerência próximo ao infravermelho, tendo destaque por proporcionar a formação de imagens dos tecidos orais em alta resolução, podendo favorecer a detecção de patologias precocemente12,16. A OCT analisa alterações óticas a partir da reflexão e do retroespalhamento da luz não ionizante sobre o material, de maneira não invasiva e não destrutiva, formando imagens em tempo real12. Em adição, é considerada uma biopsia ótica devido à capacidade de expor detalhes microestruturais do tecido vivo (semelhante à microscopia da luz), permitindo a verificação de estruturas que, muitas vezes, só poderiam ser avaliadas por exame histopatológico11,13. Com isso, não há necessidade de excisão e processamento das amostras, como na biopsia convencional e histopatologia17.
Seu princípio de funcionamento é análogo ao ultrassom, já que a luz ecoa com um tempo de atraso, dependendo da estrutura tecidual em análise18. A intensidade dessa interferência é decorrente do espalhamento causado pelas diferenças estruturais dos tecidos analisados, por meio de um interferômetro do tipo Michelson, iluminado com fonte de luz de baixa coerência, em que a largura espectral está na ordem de dezenas a uma centena de nanômetros18. Isso significa que a luz da tomografia por coerência ótica é retroespalhada ao encontrar diferentes índices de refração provenientes de diferenças constitucionais da amostra analisada. Quando a luz é focada no tecido (na faixa de comprimento de onda entre 800 nm e 1.300 nm), as não homogeneidades dos índices de refração fazem com que a luz se espalhe em ângulos diferentes19. Estudos concluíram que a OCT possui uma capacidade de penetração em profundidade de até 3 mm, resultando em uma imagem com resolução de 1 μm a 20 μm – uma ou duas ordens de magnitude maior que o ultrassom convencional20. Além disso, a técnica permite mostrar detalhes microestruturais dos tecidos vivos in situ, através da medição da luz refletida ou transmitida por meio de um tecido biológico21.
Os pioneiros na utilização da técnica na área da saúde demonstraram a formação da imagem ótica in vitro da área peripapilar da retina e artéria papilar21. Em seguida, a técnica foi utilizada para estudar os tecidos da cavidade bucal12. Os autores constataram a viabilidade da tecnologia ótica na identificação de toda superfície dentária, contorno gengival, interfaces cemento/esmalte e gengiva/dente in vitro, mostrando que a OCT tem um grande potencial clínico para pesquisas da etiologia das doenças periodontais12.
Em outro estudo22, pesquisadores desenvolveram uma peça de mão para obtenção de imagem in vivo de tecidos bucais humanos utilizando um sistema de OCT com resolução axial de 15 μm e profundidade máxima de 3 mm em tecidos duros, e 1,5 mm em tecido mole. Foi possível visualizar detalhes dos tecidos moles e duros. Ainda, foi observada a presença de uma restauração em resina e a interface entre o esmalte e a resina. Autoresrealizaram imagens de estruturas dentais sadias in vivo com um sistema de OCT de 1.310 nm e profundidade de 3 mm13. A varredura por OCT foi realizada através do longo eixo do dente pré-molar, próximo à região cervical. As imagens mostraram algumas estruturas, como o tecido periodontal, o sulco gengival, o epitélio juncional, a interface dente/compósito e a adaptação marginal das restaurações. Foi possível confirmar que a técnica possui grande potencial para identificar a doença periodontal ativa, antes mesmo de ocorrer uma perda óssea alveolar, podendo ser utilizada no acompanhamento da doença ou como uma documentação visual de sua progressão, da resposta à terapia ou ambos.
Outros pesquisadores relataram que é possível avaliar com precisão alterações do ligamento periodontal mediante forças ortodônticas utilizando o OCT, aplicadas aos incisivos inferiores em um estudo animal. Os ligamentos periodontais alterados foram examinados com OCT e radiografia digital intraoral bidimensional. As imagens de OCT obtidas permitiram medir ligamentos alterados a partir de todas as direções, diferentemente das radiografias23. A técnica pode ser utilizada com o objetivo de acompanhar a atividade da doença periodontal antes que ocorra uma significante perda tecidual16. Ainda, pode determinar com precisão a localização da inserção do tecido gengival na superfície dentária e reproduzir, com mais fidelidade, a profundidade da bolsa periodontal, permitindo o monitoramento da evolução da doença. Por não haver necessidade de contato direto com o tecido estudado, não ocorre pressão tecidual, fazendo com que o sistema faça mensurações reais do tecido saudável sem caráter invasivo, facilitando o diagnóstico de doenças periodontais precocemente.
Autores investigaram a técnica da OCT na cavidade oral para identificação e diferenciação entre gengiva livre e inserida, bem como a determinação do fenótipo gengival – fator importante para a determinação do prognóstico periodontal de forma não invasiva com êxito9. Segundo eles, utilizando a técnica, é possível observar estruturas da anatomia periodontal, como gengiva livre e inserida, além de cálculo supra e subgengival. Além disso, é possível obter as medidas do sulco gengival de forma não invasiva, demonstrando que o OCT pode ser potencialmente útil na clínica para observação direta e quantificação dos tecidos periodontais.
Foi realizada avaliação do desempenho do sistema de tomografia de coerência ótica (OCT) em imagens de estruturas periodontais em seres humanos24. As medidas de profundidade do sulco gengival e a percepção do desconforto/dor, e duração dos exames foram inferiores às obtidas com sondas tradicionais: sonda manual da Carolina do Norte e sonda automática da Flórida. De forma semelhante, outros autores apresentaram um estudo in vivo comparativo de imagens do periodonto, obtidas com a OCT com imagens de microtomografia computadorizada e seções histológicas11. Apesar de caracterizar imagens em menor profundidade em relação aos cortes histológicos, a OCT foi capaz de descrever o contorno do tecido periodontal, o sulco gengival, a presença de cálculo supragengival e subgengival, e a topografia superficial do complexo dentogengival com maior resolução do que a microtomografia.
Ao examinar se a bolsa periodontal poderia ser visualizada satisfatoriamente pela tomografia de coerência ótica (OCT), pesquisadores obtiveram resultados que sugeriram métodos quantitativos para medir a profundidade de sondagem, o que a torna capaz de visualizar bolsas periodontais e mostrar a perda de inserção25. A literatura tem demonstrado que a OCT pode ser utilizada como um método não invasivo para a imagem microestrutural dentária. Esta revisão utilizou pesquisas qualitativas e quantitativas que avaliassem a utilização deste dispositivo nos tecidos periodontais, de forma a qualificar seu poder diagnóstico. Para o clínico, o planejamento da terapia é, provavelmente, o passo mais crítico no tratamento de pacientes com doença periodontal.
Com a presente revisão, foi possível observar que as características da OCT podem se apresentar como uma estratégia alternativa ou complementar ao exame periodontal tradicional de sondagem periodontal e análise radiográfica, em concordância com outros autores8, que afirmaram ainda que esta ferramenta complementa o exame clínico e radiográfico convencional, proporcionando métodos ainda mais precisos de diagnóstico. Apesar de suas vantagens, a técnica da OCT ainda não é utilizada clinicamente na Odontologia, apesar dos resultados de pesquisas laboratoriais nas diversas especialidades da área terem sido promissores e incentivarem à aplicação da técnica na clínica em um futuro próximo8-11,16,24. Entretanto, ainda existem limitações da técnica que precisam ser melhor elucidadas, como o fator profundidade e o teor de hidratação dos tecidos. Esta limitação pôde ser verificada em uma pesquisa11, na qual foi obtida uma profundidade de imagem limitada entre 1,2 mm e 1,5 mm. Em um estudo prévio8, foi possível obter o máximo de 2 mm a 3 mm, ainda menores em relação às medidas histológicas.
O comprimento de onda pode permitir uma penetração mais profunda do tecido (1.325 nm), embora os resultados com o sistema a 930 nm10possam também ser adequadamente utilizados. Estas pequenas variações incentivam novas pesquisas de ajuste do dispositivo e de análise do paciente para que sejam obtidas profundidades maiores. Outra limitação é a dispersão óptica, que é inerente à propagação da luz nos tecidos e não é fácil de contornar, sendo responsável pelas profundidades de penetração superficial (1,2 mm a 1,5 mm) na maioria dos tecidos biológicos11. No entanto, essa profundidade de penetração e resolução é suficiente para diagnosticar tecidos periodontais moles saudáveis ou doentes10,12,26.
Uma pesquisa11mostrou que o contraste entre diferentes tipos de tecidos adjacentes é mais forte quando há uma maior diferença no teor de água dentro dos tecidos. O cálculo subgengival revelou maior teor de água do que a superfície adjacente do dente, resultando no aumento da intensidade do sinal e contraste da imagem. Isso pode ser estendido a pesquisas com diferentes biotipos9-10e amostras in vivo, com a presença do fluido crevicular. Dentro desta perspectiva, a OCT desempenha um papel importante na área e pode dirigir melhores técnicas de manejo clínico com o paciente, favorecendo intervenções precoces e não invasivas, o qual se enquadra no paradigma da Odontologia minimamente invasiva. No entanto, essa ferramenta ainda não foi clinicamente validada e seu potencial interpretado.
A técnica tem demonstrado ser uma boa ferramenta para o diagnóstico periodontal, pois tem profundidade de penetração suficiente e alta resolução. Imagens de OCT são confiáveis para visualizar limites entre tecidos periodontais moles e duros19.
Conclusão
Com base no exposto, o conhecimento aprofundado dos principais aspectos do diagnóstico periodontal sugere a necessidade de melhor dirigir o manejo clínico com o paciente, minimizando desta maneira a subutilização ou sobreutilização das tradicionais opções terapêuticas. A tomografia por coerência ótica desempenha um papel relevante para análise dos principais parâmetros clínicos em Periodontia, favorecendo intervenções precoces e terapêuticas específicas, diminuindo a morbidade da doença periodontal. Estudos que possam validar esta ferramenta clinicamente precisam ser incentivados.
Nota de esclarecimento
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