A evolução das tecnologias digitais e dos sistemas CAD/CAM foi responsável por uma transformação nos materiais dentários, principalmente a zircônia. Reconhecida pela excelência em relação à resistência, estética, biocompatibilidade e características mecânicas – quando comparada aos metais – ela se tornou o material de escolha para a confecção de próteses fixas e sobre implantes, além de restaurações unitárias e múltiplas.
Porém, assim como acontece com outros sistemas, a zircônia ainda apresenta algumas limitações. Para discutir a aplicação e o desempenho desse material na reabilitação oral, reunimos um time de professores que atuam nas áreas de Materiais e Prótese Dentária. A seguir, acompanhe o resultado dessa discussão.
As quatro gerações Claudia Angela Maziero Volpato Luis Gustavo D’Altoé Garbelotto |
Sem dúvida, a zircônia veio para ficar. Seu excelente desempenho mecânico associado a propriedades óticas promissoras impulsionaram o avanço das tecnologias CAD/CAM, solucionando desafios estéticos relacionados às tradicionais próteses metalocerâmicas. A zircônia é um material estrutural que oferece biocompatibilidade e durabilidade ao longo do tempo, podendo ser empregada em diferentes situações clínicas. Atualmente, próteses de zircônia podem ser obtidas a partir de duas estratégias laboratoriais: na primeira, infraestruturas são confeccionadas por técnicas de usinagem CAD/CAM e recobertas com materiais cerâmicos estéticos (próteses bilaminares), Figuras 1 a 6; na segunda, as próteses são feitas totalmente em zircônia (próteses monolíticas), Figuras 7 a 9.
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Figura 1 – Infraestruturas em zircônia (HT, Upcera, China) prontas para serem recobertas. |
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Figura 2 – Estratificação da porcelana feldspática. |
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Figura 3 – Próteses bilaminares concluídas (TPDs: Carlos Prux Landmeier, do Centro de Escaneamento Dental, São José/SC; e Carlos Augusto Maranghello, do Dell’Art Laboratório, Porto Alegre/RS). |
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Figura 4 – Observe a translucidez que foi obtida com o uso de uma zircônia de terceira geração. |
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Figuras 5 e 6 – Próteses concluídas e instaladas. |
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Figuras 7 e 8 – Próteses fixas monolíticas (TT, Upcera, China. TPD Carlos Prux Landmeier, do Centro de Escaneamento Dental, São José/SC). |
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Figura 9 – Resultado final após a instalação das próteses. |
Quatro gerações de materiais à base de zircônia estão sendo comercializadas no mundo. A 3Y-TZP (zircônia tetragonal parcialmente estabilizada por ítria) é a mais conhecida e representa a primeira geração, como exemplo temos: Lava Frame (3M Espe, EUA), Vita YZ T (Vita Zahnfabrik, Alemanha), Prettau Zr (Zirkonzahn, Itália), entre outras. Ela possui características similares a outros materiais cerâmicos (feldspáticos e vítreos), como boa estabilidade química e baixos potenciais de corrosão e de desgaste. Também apresenta resistência mecânica elevada decorrente do mecanismo de “tenacificação por transformação”, o qual só é possível devido à presença de estruturas cristalinas diferenciadas (fases monoclínica, tetragonal e cúbica). No momento em que a zircônia é “tensionada”, transformações t-m (da fase tetragonal para monoclínica) permitem o aumento no volume das partículas, impedindo a propagação de trincas e melhorando o desempenho mecânico1.
Originalmente esse é um material branco que permite coloração. Para esse fim, o técnico pode imergir as peças de zircônia pré-sinterizada em soluções colorantes ou pode pintar anualmente a superfície com um pincel. A técnica de imersão (dipping technique) proporciona um resultado rápido e eficaz, sendo muito empregada na coloração de infraestruturas e pilares. Por outro lado, a técnica do pincel (brush infiltration technique) é mais utilizada para a coloração de próteses monolíticas e facetas, uma vez que várias soluções colorantes podem ser utilizadas ao mesmo tempo, resultando em uma coloração personalizada. Porém, a 3Y-TZP apresenta pobre translucidez, resultante do alto índice de refração e baixo coeficiente de absorção, comuns em zircônias não cúbicas2. Para minimizar a alta opacidade, pesquisadores têm estudado rotas e processamentos que incluem a modificação de estabilizadores ou da rede cristalina3.
Zircônias de segunda geração são produzidas com redução na quantidade de alumina e alteração nos parâmetros de sinterização, resultando em um discreto aumento na translucidez (por exemplo: Lava Plus, 3M Espe, EUA; Vita YZ HT, Vita Zahnfabrik, Alemanha; entre outras). Entretanto, esse aumento ainda não é suficiente para que o material possa ser empregado em próteses monolíticas.
Zircônias de terceira geração (altamente translúcidas – high-translucency zirconia; e ultratranslúcidas – cubic ultratranslucent zirconia) apresentam diferenças marcantes na microestrutura, como a variação na quantidade de ítria (4Y-PSZ e 5Y-PSZ) e a introdução de fase cúbica (por exemplo: IPS e.max ZirCAD MT, Ivoclar Vivadent, Liechtenstein; Prettau 4 Anterior, Zirkonzahn, Itália; Katana ST/STML, Kuraray Noritake; entre outras)4. O aumento da translucidez é evidente, porém a presença majoritária da fase cúbica tem sido correlacionada à menor resistência à flexão encontrada nesses materiais5.
A quarta geração das zircônias reapresenta a segunda e a terceira geração, associando os seus benefícios ao conceito de materiais com gradiente funcional (functionally graded materials – FGMs). Essa estratégia tem resultado na obtenção de blocos graduados em cor, translucidez e/ou resistência (multilayered zirconia), tendo como exemplo a Lava Esthetic, 3M Espe, EUA. FGMs são uma classe de materiais onde uma variação gradual e suave entre materiais dissimilares está presente, visando alcançar propriedades (mecânicas, químicas e/ou óticas) otimizadas quando submetidos à função6.
Limitações inerentes à zircônia podem comprometer o comportamento mecânico e ótico das próteses, e, consequentemente, sua longevidade clínica. A suscetibilidade ao envelhecimento é uma delas. Sabe-se que esse fenômeno é um fato comprovado cientificamente por estudos laboratoriais, e suas consequências incluem degradação superficial, microtrincas e diminuição da resistência a médio e longo prazo. Porém, apesar do envelhecimento ter sido associado a falhas em próteses coxo-femurais7, a previsibilidade de falhas em próteses odontológicas ainda não está completamente esclarecida, principalmente devido à complexidade desse fenômeno e à dificuldade de correlacionar as falhas encontradas com o envelhecimento em si. Até o presente momento, apenas um estudo clínico prospectivo, que utilizou uma análise ex vivo, está disponível na literatura8.
Outro fator importante a ser destacado é a incompatibilidade entre a zircônia e a cerâmica de cobertura, o que tem reforçado ainda mais a importância no avanço dos materiais e técnicas laboratoriais para próteses monolíticas. A interface criada entre os dois materiais cerâmicos é o elo mais fraco das restaurações bilaminares. Estudos clínicos de acompanhamento de curto e longo prazo apresentam percentuais de sucesso favoráveis para próteses de zircônia9, porém a ocorrência de fraturas ou lascamentos da cerâmica de cobertura é significativamente maior nessas próteses, chegando a 10% em um período de 1-2 anos de serviço10.
Por outro lado, a preocupação atual dos pesquisadores tem sido o potencial adesivo desse material, uma vez que o objetivo em um futuro breve é empregá-lo rotineiramente em restaurações minimamente invasivas. A zircônia é uma cerâmica acidorresistente que não apresenta sílica em sua composição, impossibilitando que técnicas clássicas de adesão sejam utilizadas com sucesso. O jateamento com partículas de óxido de alumínio ou o tratamento triboquímico associado à aplicação de um agente adesivo contendo monômeros de ácido fosfórico hidrofóbico (10-MDP), atualmente, é o protocolo mais confiável para alcançar uma adesão satisfatória à zircônia11. Para isso, o profissional deve compreender e dominar as técnicas adesivas, assim como garantir o emprego de sistemas adesivos de boa procedência e um efetivo isolamento absoluto.
É evidente que o sucesso da zircônia vem sendo confirmado pelo avanço rápido das suas gerações. Suas propriedades mecânicas e óticas proporcionam uma interessante versatilidade laboratorial que, aliada às tecnologias CAD/CAM, garante procedimentos cada vez mais rápidos, precisos e reprodutíveis.
Enquanto a zircônia de primeira geração é empregada de forma eficiente para a confecção de infraestruturas e para o mascaramento de substratos escurecidos, facetas cerâmicas e coroas monolíticas podem ser obtidas pelo emprego de zircônias translúcidas (terceira geração) e graduadas (quarta geração).
Entretanto, é fundamental que o emprego desses materiais e técnicas esteja fundamentado na ciência. Para isso, leitura e atualização constantes são as ferramentas de informação mais confiáveis.
Variáveis de usabilidade Welson Pimentel Flavio Rosa de Oliveira |
O uso da zircônia na Odontologia aumentou consideravelmente após o desenvolvimento das tecnologias digitais e dos sistemas CAD/CAM para a fabricação das restaurações dentárias. A translucidez do material influencia diretamente no resultado e sucesso estético da restauração. Inicialmente, o uso de restaurações à base de zircônia era limitado pela pouca translucidez do material e pela necessidade de cobertura com cerâmicas tradicionais1. Além disso, a delaminação da porcelana de cobertura é um frequente problema encontrado nessas restaurações. Zircônias com maior translucidez foram então recentemente introduzidas, possibilitando a fabricação de coroas estéticas em zircônia monolítica2.
Estudos anteriores2-3 relataram que coroas monolíticas em zircônia apresentam excelente resistência à fratura, mesmo sem a presença da cobertura em cerâmica feldspática. Também já foi previamente reportado2,4 que a resistência à fratura da zircônia monolítica com espessura de 1 mm é equivalente à de uma coroa metalocerâmica, sendo que a espessura recomendada para coroas totais é de 0,5 mm2,4. Desta maneira, coroas monolíticas fabricadas em zircônia poderiam ser excelentes opções para restaurações estéticas com preparos conservadores2, uma vez que seria necessária a redução oclusal de apenas 1 mm na face oclusal associada à redução marginal de 0,5 mm.
A translucidez apresentada por coroas monolíticas fabricadas em zircônia é adequada nas espessuras previamente citadas, o que possibilita resultados estéticos satisfatórios2. Contudo, para otimizar o resultado da restauração, é necessária a caracterização extrínseca de coroas monolíticas fabricadas em zircônia2. Dois métodos estão disponíveis atualmente para proporcionar durabilidade e estética favorável para restaurações fabricadas em zircônia monolítica2. O primeiro é caracterizar extrinsecamente a coroa monolítica em zircônia, possibilitando estética adequada. A segunda opção é utilizar o desenho híbrido, em que as faces lingual/palatina e oclusal são finalizadas em zircônia, enquanto as faces vestibulares e incisais são fabricadas com o espaço necessário para a aplicação posterior da cerâmica de cobertura.
Para melhorar a estética final das restaurações fabricadas em zircônia monolítica, aumentando sua translucidez, cinco técnicas foram desenvolvidas ao longo dos últimos anos1. A primeira delas aumentou o tamanho dos grãos de zircônia, gerando maior contraste proporcionado pelo material. Tal alteração estrutural, contudo, reduz sua resistência à fratura. Outro método desenvolvido, e aparentemente mais efetivo, seria a redução no tamanho dos grãos de zircônia, sendo que, para uma restauração com 1,3 mm de espessura, grãos de tamanho de 82 nm proporcionariam translucidez semelhante à porcelana feldspática. O terceiro método consiste no aumento da proporção do componente estabilizador (ítria), aumentando a fase cúbica do material e diminuindo o tamanho dos grãos, aumentando assim a translucidez do material. O quarto método seria a redução das impurezas na zircônia, uma vez que impurezas de 0,05% proporcionadas por grãos com tamanho entre 200-400 nm reduziriam significativamente a translucidez da zircônia. Por fim, o aumento da temperatura de sinterização da zircônia também poderia aumentar sua translucidez e melhorar o resultado final estético1.
Outro aspecto importante da zircônia, agora em comparação ao dissilicato de lítio, é que as restaurações monolíticas de zircônia podem ser fabricadas com espessura reduzida (cerca de 0,5 mm a 1 mm), possibilitando restaurações mais conservadoras5. Aumentar a espessura da zircônia monolítica de 0,6 mm para 1,5 mm irá dobrar sua resistência à fratura4. Restaurações em zircônia monolítica com 1 mm de espessura apresentam resistência à fratura semelhante às restaurações metalocerâmicas com 1,5 mm de espessura4. Contudo, as restaurações de dissilicato de lítio apresentam maior translucidez quando comparadas às restaurações monolíticas feitas em zircônia, levando a melhores resultados estéticos2. Entretanto, restaurações cerâmicas com elevada translucidez não são indicadas para todos os casos clínicos. A indicação de cerâmicas com menor translucidez deve ser avaliada quando forem restaurados dentes com alterações severas de cor ou quando implantes dentários estiverem associados a componentes metálicos2. Nestes casos, tornam-se necessários materiais com maior opacidade que possam mascarar de forma mais efetiva o substrato2,5.
Uma preocupação com o uso de materiais muito duros em restaurações é o desgaste e abrasão do elemento antagonista. A dureza superficial e o módulo de elasticidade da zircônia são, aproximadamente, duas e três vezes maior do que a da porcelana feldspática1. Contudo, não há correlação entre a dureza do material e a abrasão da dentição antagonista6. Além disso, a superfície polida da zircônia monolítica translúcida apresenta menor abrasividade, enquanto a zircônia jateada e posteriormente glazeada apresenta a maior abrasão do esmalte no dente antagonista7.
Sendo assim, aparentemente, a zircônia monolítica polida causa menor abrasão do dente antagonista, em comparação à cerâmica de cobertura tradicional e ao dissilicato de lítio1,8. Uma grande preocupação no uso de restaurações em zircônia é sua reduzida capacidade de adesão aos materiais usados para cimentação. As recomendações indicadas para melhorar a adesão incluem1: abrasão com partículas de óxido de alumínio, cobertura triboquímica de sílica e posterior uso de agente silano, uso de cimentos resinosos que contenham o monômero MDP, infiltração de sílica pela técnica sol-gel, infiltração de cerâmica feldspática, método de infiltração-adesão seletiva, uso da técnica glaze-on e uso de silano aquecido1.
Os materiais resinosos com presa dual são a escolha mais popular para a cimentação das restaurações à base de zircônia e podem ser utilizados com segurança1. As Figuras 1 a 8 apresentam diferentes exemplos de planejamentos digitais e restaurações dentárias fabricadas em zircônia monolítica (as imagens foram retiradas de artigos previamente publicados e de autoria dos autores deste texto)5,9-10.
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Figura 1 – Planejamento digital da restauração. |
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Figura 2 – Aspecto final da restauração fabricada em zircônia monolítica. |
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Figura 3 – Relacionamento interoclusal previsto para a restauração durante o planejamento digital. |
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Figura 4 – Modelo tridimensional impresso com intermediário protético e restauração final fabricados por método CAD/CAM. |
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Figura 5 – Aspecto final da restauração. |
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Figura 6 – Componente protético implantossuportado do tipo interface de zircônia. |
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Figuras 7 – A. Planejamento digital da restauração. B. Planejamento final da restauração. |
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Figura 8 – Aspecto final da restauração. |
Desmembrando a zircônia
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Durante décadas, as restaurações metalocerâmicas foram elencadas como o tratamento de primeira eleição na área reabilitadora1. Apesar dos altos índices de sucesso, mesmo em áreas com maior demanda de carga mastigatória (> 95%, após cinco e dez anos em função), metalocerâmicas apresentam desvantagens estéticas significativas, como: aparecimento da cinta metálica, pigmentação gengival e dificuldade em mimetizar a translucidez do dente natural2-7. Nesse contexto, os sistemas totalmente cerâmicos representam a opção mais promissora para substituição de restaurações com infraestruturas metálicas, devido às características favoráveis de biocompatibilidade, inércia química, baixa condutividade térmica e elétrica, resistência ao desgaste, além da capacidade de reprodução dos complexos fenômenos óticos observados na estrutura dental natural8-10. Ademais, o aprimoramento tecnológico na área de processamento de novos materiais e fabricação de próteses tem viabilizado o desenvolvimento de sistemas cerâmicos mais resistentes para atender a demanda funcional da cavidade oral11-12, dentre os quais se destacam os sistemas à base de zircônia.
A indicação de sistemas à base de zircônia tornou-se bastante difundida em Odontologia, a partir da década de 1990, com a conformação de blocos para usinagem em CAD/CAM. De natureza polimórfica, a zircônia apresenta uma variação na estrutura cristalina de acordo com a temperatura: monoclínica (m, < 1.170°C), tetragonal (t, entre 1.170 e 2.370°C) e cúbica (c, > 2.370°C)13-17. Para viabilizar a utilização e o processamento de peças protéticas, a zircônia deve se manter estável na fase tetragonal em temperatura ambiente, o que só é possível através da adição de óxidos estabilizadores na zircônia pura, como o óxido de ítrio (Y2O3) a 3 mol%14-16. De fato, a zircônia tetragonal policristalina estabilizada por ítria (3Y-TZP) fica metaestável em temperatura ambiente e, mediante situações de acúmulo de tensões, como ao redor de trincas, a transformação de fase t-m é desencadeada e acompanhada pelo aumento de volume de 3-5%13-16,18. A alteração dimensional devido à transformação de fase suscita uma tensão de compressão no local que limita a propagação de trincas e aumenta a tenacidade à fratura do material (Figura 1). Este fenômeno é conhecido como tenacificação por transformação de fase e é o mecanismo responsável pelas propriedades mecânicas excepcionais da 3Y-TZP (σ: 900-1.300 MPa, Kic: 6-9 MPa m1/2), as maiores já apresentadas por um sistema restaurador cerâmico13-16,19.
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Figura 1 – Desenho esquemático do fenômeno de tenacificação por transformação de fase t-m. |
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Figuras 2 – Infraestruturas de coroas e próteses parciais fixas de zircônia posteriormente estratificadas com cerâmica vítrea. Caso clínico realizado na clínica de pós-graduação em Reabilitação Oral da FOB/USP (Orientação: Prof. Dr. Luiz Fernando Pegoraro; TPD Márcia Portalupi). |
Sistemas à base de zircônia estabilizada têm utilização na área de Reabilitação Oral, brangendo praticamente todos os cenários restauradores, inclusive as próteses fixas do tipo protocolo sobre implantes e intermediários protéticos (Figuras 2)2-3,6-7,20-22. Coroas totais fabricadas com sistemas à base de 3Y-TZP têm apresentado índices de sobrevida semelhantes aos das metalocerâmicas (> 93% após cinco anos em função)2-3,23-25. Da mesma forma, dados representativos de PPFs demonstram o caráter promissor dessa modalidade reabilitadora (∼90% após cinco anos em função)6-7,26-28. Apesar dos altos índices de sobrevida, uma maior taxa de complicação clínica tem sido reportada para reabilitações à base de 3Y-TZP, quando comparadas com metalocerâmicas, sendo a fratura na cerâmica de cobertura (∼3 e 20% após cinco anos, para coroas e PPFs, respectivamente) e a descimentação (∼5% em coroas após cinco anos) as complicações mais frequentemente citadas6-7,26,29-30. Tal cenário é ainda mais crítico para próteses implantossuportadas, visto que o índice de fratura na porcelana tem sido estimado em aproximadamente 3-9% para coroas, 22-50% para PPFs e 34,8% para prótese do tipo protocolo, após cinco anos em função24-25,27-28. Algumas das diferenças entre reabilitações implantossuportadas, quando comparadas às convencionais sobre dentes, envolvem a usência do ligamento periodontal e mecanorreceptores que afetam a resiliência, absorção e dissipação de forças, e as tornam mais propensas às complicações técnicas23,31 (Tabela 1).
TABELA 1 – DESEMPENHO CLÍNICO DE REABILITAÇÕES FABRICADAS COM SISTEMAS À BASE DE 3Y-TZP |
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***Todas as falhas requerendo troca envolveram fratura da infraestrutura, porcentagem não contabilizada. |
O alto índice de fratura evidenciado na cerâmica de cobertura e estratégias desenvolvidas para aumentar o grau de translucidez dos sistemas policristalinos têm impulsionado a confecção de restaurações anatômicas de peça única, chamadas monolíticas, com posterior aplicação de líquidos de coloração e glaze (maquiagem) para potencializar a mimetização dos tecidos dentais (por exemplo, fluorescência)32-34. Próteses monolíticas apresentam vantagens clínicas bastante significativas quanto à simplificação do processo de fabricação, ausência de estresse residual em decorrência da interface infraestrutura e cerâmica de cobertura, e, quase sempre, resistência à fratura superior às peças convencionais35-37.
Devido à maior integridade estrutural apresentada por sistemas de peça única, um menor desgaste da estrutura dental hígida tem sido proposto e gerado resultados promissores no conceito de restaurações minimamente invasivas38-40. As estratégias utilizadas para melhorar a translucidez da 3Y-TZP se deram, primeiramente, através do aumento da sua densidade, com temperaturas de sinterização mais altas, bem como a redução da concentração da alumina utilizada como aditivo41. No entanto, o cristal de zircônia tetragonal é birrefringente, ou seja, apresenta índices de refração distintos para diferentes direções cristalográficas e, consequentemente, leva a umespalhamento do feixe de luz nos contornos de grãos que limita a sua translucidez42. Nesse contexto, sistemas à base de zircônia cúbica (comumente > 50%) foram propostos através do aumento do conteúdo de ítria (4 a 5 mol%)43. Apesar desta estratégia ter propiciado uma melhora significativa da translucidez, ela limita a tenacificação por transformação de fase t-m e influencia negativamente as propriedades mecânicas do sistema, restringindo seu espectro de indicação42-43. Outra alternativa tem sido proposta através da redução do tamanho de grão da 3Y-TZP, que proporcionaria um balanço favorável entre translucidez e resistência à fratura, entretanto, a fabricação de estruturas nanocristalinas de alta qualidade ainda é um desafio para a ciência de biomateriais32.
Uma perspectiva importante a ser abordada quanto à indicação de restaurações monolíticas de zircônia é o contato do material com o complexo ambiente oral. A metaestabilidade da Y-TZP e transformação t-m, previamente citada por aumentar a tenacidade à fratura, também pode ser espontaneamente desencadeada na presença de umidade em temperaturas relativamente baixas, fenômeno conhecido como degradação em baixa temperatura (DBT)46. Como consequências do processo de degradação, tem sido reportado o aumento da rugosidade superficial e a formação de microtrincas que podem levar à perda progressiva das propriedades mecânicas, mesmo em composições de zircônias translúcidas (5 mol% Y2O3), Figura 347-53.
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Figura 3 – Desenho esquemático do fenômeno de tenacificação por transformação de fase t-m (esquemático adaptado)53. |
Dados recentes de estudos in situ demonstram a presença de transformação t-m após 60 e 100 dias de envelhecimento intraoral54-55. Assim, a DBT tem sido enumerada como um dos fatores que podem influenciar negativamente a performance de reabilitações à base de zircônia, visto que estudos clínicos de longo prazo (dez anos) têm reportado um aumento do número de infraestruturas fraturadas (∼5%) em relação às metalocerâmicas (0%)26. Por fim, outro impacto clínico do envelhecimento hidrotérmico é o aumento da translucidez da zircônia e o provável comprometimento do resultado estético52. Vale ressaltar que no momento não há evidência científica que corrobore a indicação clínica das zircônias monolíticas para próteses parciais fixas56.
Contudo, sistemas à base de zircônia são seletivamente indicados para reabilitação oral sob aspectos biológicos e funcionais. Cabe ao cirurgião-dentista se manter informado quanto às indicações e limitações de cada sistema, a fim de conduzir um plano de tratamento meticuloso, extraindo, junto ao técnico em prótese dentária, o máximo proveito do material e assegurando longevidade à reabilitação.
Em termos de perspectivas futuras, o uso de compósitos (misturas) alumina-zircônia em diferentes concentrações (ATZ e ZTA) parece oferecer um excelente balanço entre as propriedades mecânicas e ópticas, bem como resistência à degradação hidrotérmica. O desenvolvimento destes materiais em nossa equipe de pesquisa tem mostrado resultados promissores para uso em infraestruturas, que permitirão aos técnicos em prótese a estratificação artística de porcelanas simulando a estrutura dentária57. Ainda, a utilização de sistemas bioinspirados através de uma abordagem com infiltração graduada de vidro tem despontado como um possível caminho para alcançar o sucesso estético-funcional de reabilitações à base de sistemas policristalinos58-61.